Um homem morto
Caído no chão
Desprezado pela sua pele
Que futuro teve o sorriso de criança
Da mãe que amamentava e beijava seus olhos
Da caxumba que teve aos doze anos
Do catarro do resfriado
E da sífilis adulta
Um homem jogado no lixo do esquecimento
Do estado cego
E da sociedade podre
Um homem morto igual a tantos homens mortos
Sua identidade esquecida e agora caída
Talvez nem resista a números
Um homem morto
Pela vida que não construiu
Sem direito a padre, sem direito a Deus
Sem ter usufruído a vida de um destino incerto
Não sabemos sua idade
Sua pele não registra os anos
Seu registro como cidadão é perdido
Seu sorriso, meu Deus, quem o levou
Multidões o cercam
Muitos viram sua queda
Muitas mãos recolhidas
Sem acenos
Perdidos em bolsos, em bolsos e paletós de linho
Um homem morto.
Uma criança o olha
Sua curiosidade a leva a pegar na mão de sua mãe e apertá-la
Ela olha para os seus olhos
E o abraça
Tão leve o sentimento de mãe
Tão desapegado o sentimento de pátria
Tão desconexo o sentimento do poeta
Um homem morto
Em um sol de meio-dia
Sem vento
Sem odor
Sem sentimento
Jogado à terra que nunca lhe pertenceu
A criança olha outra vez
Seu primeiro sentimento de finitude
Se perde na curiosidade de mais um dia