SUICÍDIO

Sou o fel
Que queimou os lábios do Iago

A carta triste do Plínio
O jovem do Vesúvio

O punhal do Hamlet

Eu
Que vim de um poema
Concreto
Com minhas letras perdidas
Em um papel jornal
Eu
Que não fui ouvido
Agora
Escondo-me em um livro
Velho e sem capa

Não fui triste
Nem tive o brilho deste cálice
Negro


***

Deus é o sorriso do outro
Ou será o demônio o sorriso do outro
Ou é de mim que sorriem?

Deus não é a água como fala Caeiro
(Em seu poema metafísico)
Deus é meus olhos
É onde meus braços alcançaram

Sou o gol uruguaio
E outra vez o punhal do Hamlet

Que pensou Iessiênin no seu ultimo poema?
Para que aprendeu Alexandre?

A água do rio segue
A barca
Anda esquecida e
O pescador adormece
Pensando na princesa

Eu canto como se me ouvissem
Não há silêncio

Arde o último líquido
Os lábios secam
O coração tornou-se fantasia
E navega em meu passado

Lembro de Platão
Leãozinho
Não te torne infeliz
Por que eu te amo

Leãozinho
Tu te embriagas
E te vejo de longe
Acompanhando teus olhos

Leãozinho
É pecada a felicidade
Olhos estranhos nos separam

Leãozinho
Sorri para mim
Isto me faz viver
Poema sim
Como um velho
Que acorda o dia
E acompanha o outono

O dia teima em não nascer
Pois uma chuva bate em suas calçadas
E borra o sol
Que esquece que envelhece...

Poema sim
Como a pedra
Lapidada pedra

E para meia noite falta seis horas
E para o ano 2000
Falta um sonho
Dúzias de poetas
Desafiam-se
- risca caderno, risca -
Lá fora, um bêbado
Cruza uma esquina
E some deste
Poema
Como quem caminha
A folha estúpida está velha
O poema não resiste seu tempo
Morrer
É buscar o eterno
Envelhecer, também
A folha estúpida não chora
Fingi-se feliz

Uma formiguinha corta sua linha
E chega ao outro lado
O fogo
O dragão cuspiu e caiu no sol
O sol cresceu – explodirá no final da história
Onde o mundo será cinza
A cor
Lembro o sorriso do deus
Que nasceu quando se criou a pedra
Pobre criança
Era apenas uma criança
Brincando
A frase solta pelas ruas
(após ter saído do livro de memórias
e sentado na praça)
Sujou a rua de letras...
O espaço pequeno
A rede vazia
(de algum poema de Jorge de Lima)
Desliza seu som pela casa adentro
E quebra o silêncio
Língua maldita
Crua
No verão
Desfila pelas ruas
E canta Carnaval
Cinco horas
O radio ligado

Minha poesia dorme
(não deseja acordar)
Dorme profundamente
Até sonha

Lápis, livros, folhas
Estão no chão, soltas
E parte como partiu
Maria
Todas as Marias
Que os homens
Amaram por mim
Que não amei ninguém
.....................................

Lá fora
A rua vazia
Quase ninguém há nela...
Palavrinhas
Que para encher a pagina
Cai em poesia
E enche o papel de música
Minha voz
Acho que se perdeu
(quando li aquele
Livro)
Ou deve ter sido quebrada
Poeminha
Curto curto
Curto como a palavra
Não
Que o vento quebra com o assobio

O gesto inquieto
A voz que transcende os lábios

Silencio
Entre livros
(Quase todos lidos)
Folhas riscadas
Intacto leitor
Sorri a página que antecede a leitura
Cala-se (o leitor
É veloz e enigmático)
Silêncio em palavras
O poema completa a pagina
E nasce
O que o quarto tem de mim
É a cor branca da parede
O rosto (no espelho) ganhei pela idade
Destino
Não é mais do que um dia que acorda

OUTOS POEMAS IMCOMPLETOS

Fogo morto
Não queima o que tem a queimar
Faz-me pó

POEMA A DRUMOND

E alguém gritou
E o silêncio quebrado
Rolou a esquina

“Mundo mundo vasto
Mundo
E se eu e o Drummond
Chamássemos Raimundo?”

SONETO

Não, não temos o tempo do medo...
Sorri, vivi, pois o tempo lapida
Cri – e fui passear no campo
Afinal sou poeta, e daí?

No calendário, para Julho falta meio dia
E no próximo sábado estarei em casa
Tomando cerveja e vodka:
Fumar só após o almoço

Não, não sei em que versos me vou
Se em cantigas de feira
Ou a caminho de noites

Com o tempo a minha procura
Encontro palavras e redes
E sendo louco, como serei, eu sou

AMÉLIA

A dor
De Amélia
Passou
Cicatrizou-se
Amélia
Sarou

A dor
De Amélia
Meu Deus
A dor
De Amélia
Fui eu
Com meu amor vago

AS CIDADES ABERTAS

As cidades abertas
O povo está nas ruas e
O país prossegue

Vamos falar em poesia:
A mulher na calçada
O jogo de futebol
O livro

Abrem as portas da cidade
As nuvens a cobrem
Como uma chuva fina

Falam em poesia
porque é Natal
Falam em amigos
em saúde e em versos
porque é Natal

As cidades não falam
Abrem as portas
E seu povo é o povo

Os bares estão cheios
A noite chega com as luzes
A poesia desce a avenida
E sobe o morro

É o dia de domingo
A cidade caminha

(Acorda pracinha
Que os livros estão sendo lidos
Mas os poetas malditos

SILENCIO

Sujo
Sujo
Sujo
Sujo
Sujo
Sujo

Poema
Poema
Poema
Poema
Poema
Poema

Tchibum
Tchibum
Tchibum



silencio

O RELÓGIO

Falta-me uma hora
- disse-me o relógio
Que caminhava
Despreocupado –

Falta-me uma hora
Exatamente
Uma hora e
Dois minutos

DEFINIÇÃO

A poesia é justa
E natural
Mas o poeta
É um homem
Sortudo e fraco
À parte, as palavras
O lápis e o papel
Ele estará sentado
Na mesinha do canto
Pensativo e borracho

POEMA DE UM MUNDO BELO

Passaram com o morto pelas ruas
Passaram todos chorando...
Havia mulheres e crianças
E homens de chapéus em mãos

Mas alguém estava à espera
Invisível
(era o Arcanjo Gabriel)
Com uma porta aberta que dava
A uma estante cheia de livros
Disco e revista de cinema

AS MULHERES DA ASSEMBLÉIA DE DEUS

As mulheres da Assembleia de Deus
Não são esposas de deus
As esposas de deus são as madres

As mulheres da Assembleia de Deus
São cristãs de saias largas e pensamento puro
São medrosas

Caminham em grupo
Pregam a paz no mundo
E o repouso em Cristo

Fêmeas

O menino Jesus cresce a cada parágrafo
Nas montanhas os versos navegam com o vento
Mateus escreve

As mulheres da Assembleia de Deus
Não são Madalenas nem Marias
Não são virgens
E deus as ama como mulheres dos homens

EXÍLIO

Falta milho
Água
Livros
Faltam folhas para escrever
E idéias para um romance
Falta o pecado

Na praça
Alguém está sozinho
E tem sede
Chora
E todos correm para vê-lo chorar

Falta faz Caetano
Para compor uma música
E doá-lo como presente
De trinta anos de solteiro

No café
A comida foi ovo
No almoço
Peixe cru

E a tarde foi longa
E não houve noite
E não houve manhã
E não houve tarde
Ele dormiu

Seis horas
O longo silêncio da noite
Faz pensar nos pais
E no país

Sete horas
A realidade é noite
Agora é fogo
E atiça

É domingo
É manha
São seis horas

Falta um relógio
No bolso da calça mais limpa
Guardado para a festa
Falta a festa

Sete horas
Sete e trinta


Falta o tempo
Falta um fato para marcar
O tempo

EQUILIBRIO

O vento que faz
A onda


EQÜILIBRIO







A mão que faz
O caminho das nuvens

ROSELITA

Roselita agora canta canta
Canta
O poema é eterno e Roselita canta

O GUARDA

Apitou
No início da rua
O guarda

Pára carros
Escondem-se ladrões

(o apito caiu
Sujou de terra)

Um velho
Sentado na praça
Espiou por cima do jornal
E sorriu

A FOTO

Envelhecida e gasta
Nela o garoto anda (sem pressa)
É verão
Nuvens deixam o céu escuro e cinza
O cigarro no chão reflete o silêncio da foto

BOCA

Boca
Banguela
Fala
Não se entende
- gralha -
Amortecida
Cala
Só se ouve Sussurro

POEMA PARA CRINAÇA II

Pulou o grilo
Aflita
Gritou Luzia
Cansado
Nasceu o dia
Chuvoso Virou mania

POEMA PARA CRIANÇA I

O pato do João
Quen quen quen
Quen
Cantou no sertão

Bem vem blin bom
Dançou um baião
Pom rom pom pom
Cantei com violão


(a João Gilberto)

HÁ ALGO DE SOL

Há algo de sol
Que quebra aquela
Ponte – e que
Nem sei o que
É cinza e velha
E gasta e nova
- é poço –
Fonte de água
Doce ou mel
De gosto sal?

Há algo de novo
No horizonte
- um cigarro
Velho na boca
Do general – e
Eu que nem sei
Quem é que o vê
E ama – o
General não sorri

Fonte seca
De versos e brigas
Pistolas e vidas
Violas e bíblias
- cantigas –
Natal de velhos
Balalaica de
Maiakovski
Dança de sertão

A poesia
Em chamas

Silêncio...
Livros usados
Velhos
Rasgados
Folhas soltas
Silêncio...

Na feira
Caminho
- acordo cedo -
A bebida arde
Quando bêbado
- a mulher é feia
Vestido, olhos
Lábios – óculos
Tortos e sujos
Caminho

Há algo de sol
No sorriso
Da noite
- silêncio como
Uma noite de frio
E chuva –
caminho

Há algo de sol
No vento neblina
E nuvens

É maio

RUAS DE ESTAÇÕES DE TRENS

Ruas das estações de trens
Onde uma mulher caminha
Ruas de poetas
Que traça seus versos
Na escuridão de noites
E aonde pequenos delinquentes
Caminham apressados

Meu Deus, sou um simples
Poeta em uma noite de frio
E minha poesia não dorme
Passeia sonolenta nesta rua
Aonde os trens caminham
A palavra
Está sobre tudo
Com sua língua
Acesa – eu estou
Por baixo
Espiando
Vento


A arte
Quebra a vida
Ontem pensei ter visto deus
Deus era apenas um homem coberto de palavras
Sua barba estava suja de letras
Seu cajado era de um poema de Pessoa
Olhou para mim e abriu seu livro
(fiquei a espiá-lo num sorriso)
Antes do fim
Preciso falar das cores
E do frasco de tinta que está sobre a mesa

Minto:
Vejo que ele pinga sobre a toalha branca
E o pincel que pinta
Não o ver
Para caminhar sua jornada
A musa
O fogo
O carvão
A cinza
O copo de vodka

As ideias que saltam dos prédios e viram livros
Eu canto:


As folhas

A folha
Seca e velha

O lápis que teima em entrar neste livro
O livro que se esquiva
Foge
O verso solto
Incompleto
O verso solto sem rimas

A garrafa sobre a mesa
A máquina de letra quebrada
(decididamente gasta)
O grito à poesia
O silêncio do poema

O poeta que se cala
E dorme esperando o dia
A arte
Na palavra
Flui
Uma seta
Dobra esquina
E quebra
Versos


Rachamaninov
Foi o grande poeta
Maiakovski
O músico
Leio a balalaica dançando
As palavras

As palavras de uma canção com Ray Charles
De uma garotinha de cinco anos
De Hunphrey Borgot

As palavras

A curiosidade de Lili
Os olhos de Lili
A lábia de Lili
São poemas

(são palavras)
Agora caminho pela noite
(tenho comigo toada a família Karamazovski)
e ao findar desta minha caminhada
sentarei em um banco
onde, provavelmente, pessoas estarão sentadas e
(tristes

Serei mais um entre elas

Na vida
Um dos caminhos a aprendizagem é a solidão
No curral de bois
Há bois, vacas e bezerros
E o Tio João está tirando leite

A arte
Arte
Parte – a parte
A arte

Tia Naninha faz bolos

Os filhos de Davi foram reis
(foram reis os filhos de Davi)
e governaram Israel

A arte
Parte
A arte
Poeta
Meu deus
Poeta
- que palavra louca
Sem nexo
Ou brilho –
É um homem acima do destino
ou do tempo

Testas
Brechas
Prestas
Destras

Dons
Voes
Tons
Sons

Sexo
Anexo
Merco

Fonema
Moema
Poema
Sempre existe algo por traz da montanha
Mas eu sei que há um lago com peixes
Imagino-me escrevendo cartas
Deitado
Em algum momento, alguém aparecerá
E serei louco
Mas o lago por traz da montanha
Já me conhece
E me entende
Faço apenas verso
O relógio tocou
O relógio tocou: onze horas
O relógio tocou e a estação está vazia
O trem está parado
O homem descansa...

As metas
As setas
As retas
Leio muito
E de mim apenas sai poesia
E de mim apenas sai o que penso
É o que sou

Um dia
Acreditem
Quebrarei a palavra para sentir seu átomo
Quebrarei a palavra para amar seus olhos
Quebrarei a palavra para conhecê-la bem


E a poesia sairá como fogo
Como fogo a poesia sairá da palavra para
(conquistar meu mundo

FRAGMENTO LONGO DE UM POEMA IMCOMPLETO

Não é tarde para escrever poemas...

Minha ambição é apenas uma folha de papel escrita
E sem margem

Hoje leio Maiakovski
(o incompreensível para as massas)?
Depois virá Pasternak
Iessienin
Ou Assiev

E minha vida alimenta-se-a de poesia russa

Para alma foi criada a poesia
Por essa alma grandes poetas suicidaram-se
E outros morreram velhinhos

Mas a poesia é a grande pedra

CAPA

A FOTO, ROSELITA E OUTROS POEMAS INCOMPLETOS









Poema sujo
Poema belo
Poema meu

Poema água